O mundo está em constante mudança desde que é mundo. No entanto, nas últimas poucas décadas, a velocidade das mudanças aumentou consideravelmente. Por muitos séculos, pais podiam prever com certa precisão como seria a vida dos filhos e eram capazes de dar conselhos úteis sobre situações pelas quais os filhos quase que certamente iriam passar. Atualmente, quando penso no futuro, confesso que não sou capaz de prever como serão as residências, o dia-a-dia no trabalho e agora nem mais as relações interpessoais daqui a 30 anos.
Minha mãe sempre me estimulou a manter as minhas amizades. Lembro-me de uma vez ter tentado ligar para uma menina que frequentou o jardim de infância comigo (essa ligação foi feita quando eu era adolescente); o número já pertencia a outra pessoa e eu acabei não conseguindo falar com ela (que provavelmente iria se assustar e desligar o telefone na minha cara). Já era a minha versão beta de uma rede social, digamos assim. A tecnologia acabou por facilitar a interação à distância com as pessoas queridas e deixar a vida muitas vezes melhor, sem dúvida nenhuma. Acho o máximo poder falar com frequência com as pessoas que já não vejo ao vivo há meses/anos, coisa que antes da internet obviamente não era possível. Mas isso é diferente de ter acesso a detalhes da vida de alguém que seja um mero conhecido, ou às vezes nem isso.
As redes sociais estão em todo lado e a maioria das pessoas hoje em dia participa de alguma, por isso fica difícil não pensar sobre esse assunto. As razões para participar são muitas: assim fico sabendo das novidades, descubro festas incríveis, me comunico com pessoas parecidas comigo pelo mundo e muitas outras que não vou saber dizer simplesmente porque não faço parte dessa “comunidade”. Mas o que vejo com bastante frequência (e não quero dizer que todos sejam assim, não me entendam mal) são pessoas que expõem a própria vida e a de quem aparece nas fotos a troco de... ah é, de... peraí, já vou lembrar, é por causa de... que mesmo, hein? Na verdade, não preciso pensar tanto para achar uma explicação não tão nobre para isso. Mas, apesar de não querer participar e não ver graça nenhuma nisso, entendo os “benefícios”. Para não dizer que sou completamente alheia a essas coisas, participo de uma rede profissional (LinkedIn), que uso para deixar o meu currículo e que é usada por alguns dos meus pacientes, e agora reativei a minha conta no Instagram, onde coloco fotos genéricas que sempre gostei de tirar (e que, inclusive, estão aqui no blog). Como sempre gosto de ressaltar, tudo na vida tem o seu lado bom e o seu lado ruim.
A humanidade já passou por muitas fases, e atualmente é a do humanismo. EU posso, EU sou, EU sei. A vida é do jeito que EU quero, tudo vai acontecer como for melhor para MIM e por aí vai. Apesar de acreditar nisso, temos duas formas de entender essas afirmações. A primeira é que EU sou onipotente, quase um deus. O mundo gira à minha volta e tudo acontece como eu quero. A pessoas que acreditam nessa versão infelizmente não conseguem explicar coisas que acontecem fora da área de influência delas (como a situação política no Zimbabue, as mudanças climáticas ou simplesmente porque o seu vizinho ficou gripado). A isso se dá o nome de solipsismo. Antes de mim, nada; depois de mim, nada. Sob esta visão, você, pessoa que está lendo este texto é uma mera criação minha. A sua dor, a sua alegria, a sua VIDA não existe sem que eu autorize/aceite. EU controlo tudo. E aí entram as redes sociais que, a meu ver, se encaixam muito bem. Nelas, você é o centro do universo, mesmo que seja o seu. Nelas você controla tudo o que acontece. A segunda interpretação é que faço dos limões uma limonada, encaro a vida injusta, inexplicável e infinita da melhor forma possível. Não sou eu que ordeno quem morre, quem nasce, quem ganha ou quem perde, mas EU decido como vou processar essas informações. Eu não controlo muito além de mim mesmo, e já está de bom tamanho. Tenho mais afinidade com esta última, acho um pouco mais razoável.
Não que seja ruim controlar o que você vai contar para os outros, ou ser feliz e querer mostrar isso para todo mundo, muito pelo contrário. Mas colocar fotos felizes realmente faz as pessoas felizes? Frases interessantes fazem delas pessoas interessantes e valiosas? Eu acho que não. Além disso, acho que as redes sociais transformam as pessoas em números impessoais. Um dia desses encontrei com uma amiga que não via há um tempo, que tinha ido passar as férias no seu país de origem. Eu não conheço o tal país e quando nos revimos eu fui logo fazendo mil perguntas:
Eu: E aí, amiga! Como foi a viagem? O que tem pra comer lá? Conseguiu encontrar com os seus amigos e familiares? Viajou para outras cidades além da sua? O que você fez de interessante? Conta tudo!
Ela: Você tem Facebook? Está tudo lá!
Eu: ...
Não vejo como uma foto, mesmo com legenda, pode substituir a descrição de um prato típico feito com este ou aquele ingrediente que, misturados, dão uma consistência tal na boca; como pode substituir o brilho de alegria nos olhos de quem conta uma história ou o som do riso ao relembrar as aventuras. Mas isso sou eu. Algumas pessoas podem ler o que eu escrevi e ter pensado na mesma resposta antes de saber o que ela disse e acharem absolutamente normal.
O número de “amigos” numa rede social é outra coisa que me deixa sem vontade de conversar às vezes. Conheço pessoas com mais de 500 “amigos” que passaram quase sozinhas por momentos muito difíceis na vida como a perda de um ente querido ou um problema familiar sério, apesar das várias mensagens de apoio que invadiam os seus dispositivos móveis. Que claro, são importantes, mas não acho que isso substitua um abraço apertado. Em certas situações, como no caso de distância física, esse é o único recurso que sobra, mas eu não preciso ver uma mensagem na minha página inicial que fulaninho foi promovido hoje de manhã para mandar uma mensagem cheia de corações piscantes e flores. Mesmo à distância, é possível acompanhar de perto a vida das pessoas importantes e, caso você precise ser avisado por uma tela qualquer sobre o que aconteceu na vida de algum “amigo”, cujo nível de intimidade só permita uma mensagem por escrito cheia de flores e corações piscantes, talvez seja porque o tal acontecimento não seja assim tão importante para você, e nem a sua demonstração de felicidade seja tão importante para a pessoa que a lê. Né? Acho eu. Ao invés de me preocupar com o número de “amigos” ou “seguidores”, acho mais interessante me preocupar com OS amigos. Além do mais, alguns estudos mostram que cada ser humano só é capaz de manter um relacionamento de qualidade com 150 pessoas (número de Dunbar). Onde é que as outras 350 se encaixam?
Claro, a visão sobre esse assunto vai variar muito de acordo com a idade de cada um. Eu nem posso imaginar qual é a realidade das pessoas que agora têm 15 anos e nasceram praticamente dentro das redes sociais. Para eles, usar essas redes é tão normal quanto era pra mim rebobinar a fita de vídeo antes de devolver à locadora, para não pagar multa. Por isso disse no início desse texto que não faço ideia de como a vida será daqui a 30 anos, e é verdade. Mas sei que, hoje, participar dessas redes pode não ser tão interessante assim, especialmente para os mais novos. Basta fazer uma rápida pesquisa no PubMed, uma fonte de referência para artigos científicos, com as palavras “social media children” para aparecerem artigos como “impacto das redes sociais na saúde das crianças e pessoas jovens”, “#cutting: auto-mutilação não suicida no Instragram”, “restrição pelos pais diminui os efeitos danosos de dispositivos eletrônicos dentro do quarto” (em tradução livre) e por aí vai. Só existe esse lado ruim? Claro que não. Se fosse assim, todos nós desistiríamos de viver ao ler o jornal diário. Da mesma forma que as redes sociais oferecem informações selecionadas, as notícias que compramos também são selecionadas e muitas vezes têm o intuito de nos conduzir a um certo pensamento, apesar de muitas vezes não nos darmos conta disso. Cabe a nós separar o joio do trigo. Também vai depender do núcleo familiar e estrutura psicológica de cada um, mas que assusta, assusta.
O mundo vai continuar mudando rapidamente, isso não dá pra mudar. Se adaptar e acompanhar não significa absorver e aceitar tudo, mas muito menos reagir e bloquear tudo. Sempre dá pra aproveitar alguma coisa e a menos que saiamos para viver sozinhos no meio da floresta, todos teremos que conviver direta ou indiretamente com essas mudanças. Ainda assim, eu prefiro continuar do jeito que estou: mando minhas mensagens para cada um, quando tenho sorte e o fuso horário permite consigo descolar uns minutos de ligação internacional “de grátis” também, e assim todas as pessoas importantes para mim participam de uma forma mais individualizada da minha vida e eu da delas. Claro, nem tudo são flores: alguns não gostavam quando eu mandava um e-mail de grupo para contar as coisas ao invés de contatar diretamente aquela pessoa em particular, sempre há espaço para queixas. Agora com o blog deverão surgir mais algumas, tudo bem. A verdade é que essas reclamações nem me incomodam, na verdade até me deixam feliz, porque na hora que todos aceitarem serem mais um na multidão é que eu vou me preocupar. Deus me livre de ter mais de 500 amigos.