Acho que o meu desconforto com o dia das mães (e o dos pais) existe desde que eu era pequena. Todo ano eu escutava os meus pais, professoras ou amiguinhos contarem o caso de uma mãe que não tinha comparecido à festinha da escola, ou que fulaninho de tal já não tinha mais mãe. E isso sempre trouxe um gosto um pouco amargo para estas celebrações.
Quando era adolescente, lembro de juntar a minha mesada por alguns meses antes do dia das mães para comprar um presente pra minha mãe. Os meus pais se separaram quando eu era pequena e, como acontece em muitas famílias, não podia dizer que eram grandes amigos. Não achava justo pedir ajuda pro meu pai, apesar de ter pedido algumas vezes e de nunca ele ter negado ou dito qualquer coisa desagradável.
Já adulta, comecei a perceber o peso comercial que essa(s) data(s) tem(ˆ). Anúncios pesados e recorrentes de “como deixar a sua mãe feliz no dia das mães”, de dar a ela um presente que fosse equivalente a tudo o que ela sacrificou por você(s) e isso começou a me fazer sentir culpada. Por tanto sacrifício.
Ao me tornar mãe, durante o relativamente longo caminho que percorri até alcançar a maternidade (alem de ser mãe mais velha, o que na verdade foi mais opção do que circunstância, também levamos um ano certinho para engravidar) e depois de ter tido minha filha, conheci mais de perto muitas mulheres com histórias por vezes bastante complexas. Mulheres que perderam filhos, ainda dentro da barriga ou fora. Mulheres que tentaram de tudo, e não conseguiram ser mães. Mulheres com um desejo enorme, e um medo paralisante. Mulheres que perderam a oportunidade e que a biologia não ofereceu prorrogação. Mulheres que não queriam engravidar, mas engravidaram, e não tiveram coragem ou apoio para interromper a gravidez. Mulheres que interromperam a gravidez. Mulheres que esperaram as infinitas semanas para o filho nascer, e que colocaram esse filho para adoção. Mulheres e homens que possuem mães que causaram (e/ou ainda causam) a eles muito sofrimento. Mulheres e homens que perderam a mãe já adultos, enquanto esperavam o seu próprio filho chegar, ou pouco depois dele nascer. E uma sociedade inteira, que todos os anos, toca nessas feridas. "Não tem filhos?” "Só tem um filho, não quis mais?” "Não vai passar o dia com a sua mãe?”.
Se sou contra celebrar o dia das mães? Não, não sou. Especialmente agora, que sou mãe. Sempre sou a favor de celebrar o amor. Só não acho que a minha felicidade justifique reavivar sentimentos desagradáveis em outras pessoas. Não acho que tenha que ser uma demonstração pública e muito menos parte do calendário escolar ou familiar. E, principalmente, acho que comprar um presente para a sua mãe maravilhosa para reconhecer "todos os sacrifícios” que ela fez por você a vida toda desde que você nasceu é, no mínimo, simplista.
Vou explicar melhor. Para mim, ser mãe não tem só a ver com ter filhos. Ser mãe (e/ou pai) é você amar o outro apesar das suas falhas e dificuldades. É respeitar o outro por pensar e ser diferente de você, mesmo que você tenha passado anos a fio tentando convencê-lo do seu ponto de vista. É cuidar do outro, quando você também precisa de cuidado. É alterar o trajeto original pra chegar no mesmo lugar. É dizer que vai ficar tudo bem, quando até você está com medo do que vai acontecer. É dar espaço pro outro, mesmo quando você queria dar um abraço. É entender que não é preciso estar fisicamente perto para estar presente, e aceitar essa dura distância. É saber ouvir, saber calar, saber acolher. É saber amar. É saber que você não precisa do outro, seja esse outro sua mãe, pai, filho, filha, mas que a sua vida é melhor com ele, e querê-lo por perto. É crescer juntos. Aprender e ensinar. É aproveitar os dias de semana, quando estamos lotados de compromissos e com tempo curto. É pensar no outro quando escuta uma música ou sente um cheiro. Isso, pra mim, é ser mãe.
Portanto, se você é assim com as pessoas da sua vida, FELIZ DIA DAS MÃES PRA VOCÊ!!! E se você conhece alguém assim, seja mulher, homem, adulto, criança, amigo, parente, chefe, tente passar o dia com essa pessoa. Ou mande uma mensagem ou um email, “ei, lembrei de você hoje... obrigada por tudo!". É assim que a gente “paga” o amor que nos é dado. Pode dar presente também, se você quiser. Mas lembre-se, para uma mãe de verdade, o melhor presente é a sua felicidade, e a sua demonstração de carinho quando menos se espera. É ela saber que não precisa esperar pelo mês de maio para escutar um "eu te amo". Carpe diem pessoal, a vida passa num sopro e no final das contas só nos sobra o amor e as lembranças boas que aquecem o nosso coração, as quais vamos coletando ao longo de dias, que viram semanas, meses, anos e, se tivermos uma boa sorte, uma vida inteira juntos.